Mulher é bicho esquisito
- Melissa Gomes

- 21 de mai.
- 2 min de leitura
por Melissa Gomes (@psi.melissagomes), psicanalista, mestre em comunicação e informação pela UFRGS
Não que Rita Lee falasse sobre psicanálise, assim como Clarice Lispector não o fazia, mas ambas acabaram transmitindo de forma despretensiosa conceitos que depois encontrei em Freud e Lacan numa linguagem muito mais cifrada. A feminilidade, por exemplo, me pareceu mais tangível nas palavras de Rita, como em Agora só falta você:
“No ar que eu respiro.
Eu sinto prazer
De ser quem eu sou
De estar onde estou”
Essa e outras inúmeras letras dela me permitiram olhar mais para a vivência da feminilidade do que para a explicação do termo. A mulher menos ligada à normatividade e mais Erva Venenosa, disposta a enfrentar entraves sem usar tanto esforço, muito me ensinou sobre “ser” em vez de apenas “fazer” para tentar agradar os outros.

As músicas viraram hinos que cantamos despretensiosamente em doces melodias, mas que na verdade carregam a complexidade do que é viver e ser mulher. Como a única integrante feminina em “Os mutantes”, fez o trio brilhar na década de 1960, até ser expulsa da banda, seguir carreira solo e fazer tudo o que queria fazer. Desenhar, cuidar dos animais, viver em outras dimensões. Como disse em Coisas da Vida, por não ter nada a dizer ela dizia, por não ter muito o que perder ela jogava e por não ter hora para morrer ela sonhava.
Justamente por se aproximar tanto do lado feminino, Rita também foi vista como louca. “Pra pedir silêncio eu berro e para fazer barulho eu mesma faço”, era como ela nos introduzia aos seus Jardins da Babilônia. No mundo Cor de Rosa Choque de Rita Lee ainda havia espaço cativo para o desamparo e para o fundo do poço. Subvertendo a ordem que faz (até hoje) ode à busca pela felicidade, ela homenageava a condição inevitável da falta da qual todos nós somos feitos.
Parando para pensar, a feminilidade nos convoca a colocar o feminino em ação. A estar em movimento, não para tentar resolver nossa incompletude, mas para abraçá-la e criar a partir dela. Quanto mais entramos nessa dança, mesmo sem saber dançar, quanto mais nos estranharem por isso, talvez estejamos mais perto do ser mulher (leia-se: bicho esquisito). Obrigada Rita.




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