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Mulher é bicho esquisito

por Melissa Gomes (@psi.melissagomes), psicanalista, mestre em comunicação e informação pela UFRGS


Não que Rita Lee falasse sobre psicanálise, assim como Clarice Lispector não o fazia, mas ambas acabaram transmitindo de forma despretensiosa conceitos que depois encontrei em Freud e Lacan numa linguagem muito mais cifrada. A feminilidade, por exemplo, me pareceu mais tangível nas palavras de Rita, como em Agora só falta você:


“No ar que eu respiro. 

Eu sinto prazer

De ser quem eu sou

De estar onde estou”


Essa e outras inúmeras letras dela me permitiram olhar mais para a vivência da feminilidade do que para a explicação do termo. A mulher menos ligada à normatividade e mais Erva Venenosa, disposta a enfrentar entraves sem usar tanto esforço, muito me ensinou sobre “ser” em vez de apenas “fazer” para tentar agradar os outros. 


Rita Lee por: Bob Wolfenson

As músicas viraram hinos que cantamos despretensiosamente em doces melodias, mas que na verdade carregam a complexidade do que é viver e ser mulher. Como a única integrante feminina em “Os mutantes”, fez o trio brilhar na década de 1960, até ser expulsa da banda, seguir carreira solo e fazer tudo o que queria fazer. Desenhar, cuidar dos animais, viver em outras dimensões. Como disse em Coisas da Vida, por não ter nada a dizer ela dizia, por não ter muito o que perder ela jogava e por não ter hora para morrer ela sonhava. 


Justamente por se aproximar tanto do lado feminino, Rita também foi vista como louca. “Pra pedir silêncio eu berro e para fazer barulho eu mesma faço”, era como ela nos introduzia aos seus Jardins da Babilônia. No mundo Cor de Rosa Choque de Rita Lee ainda havia espaço cativo para o desamparo e para o fundo do poço. Subvertendo a ordem que faz (até hoje) ode à busca pela felicidade, ela homenageava a condição inevitável da falta da qual todos nós somos feitos. 


Parando para pensar, a feminilidade nos convoca a colocar o feminino em ação. A estar em movimento, não para tentar resolver nossa incompletude, mas para abraçá-la e criar a partir dela. Quanto mais entramos nessa dança, mesmo sem saber dançar, quanto mais nos estranharem por isso, talvez estejamos mais perto do ser mulher (leia-se: bicho esquisito). Obrigada Rita. 

 
 
 

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