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O trabalho de ser você

por Melissa Gomes (@psi.melissagomes), psicanalista, mestre em comunicação e informação pela UFRGS


Mas, poxa vida, “justo a mim me coube ser eu?”, já nos dizia a personagem Mafalda. Não teria outra pessoa para isso? Tem dias que o simples fato de nos manter vivos e cumprir tarefas básicas se torna um verdadeiro fardo. E é com isso que lidamos na psicanálise. 


Sándor Ferenczi, por exemplo, dedicou-se à problemática identitária e apontou que a criança questiona quem ela é, o que ela quer, o que deseja e o que pode. Uma parte dela acaba respondendo tais perguntas pela via da identificação com os familiares e/ou cuidadores; outra parte fica escondida guardando movimentos mais autênticos e lúdicos só para ela, os quais se tornam cada vez mais difíceis de acessar à medida que nos inserimos na experiência cultural, que envolve controlar nossos instintos.


Mulher bocejando

Donald Winnicott foi por via parecida para desenvolver o conceito de self e a dependência do sujeito em relação ao ambiente. Até os seis meses de idade o bebê dependeria exclusivamente do ambiente oferecido pelos cuidadores. Ele estaria fundido ao ambiente. Depois disso há uma transição para reconhecer que a criança é um objeto separado da mãe ou de quem exerce a função materna. A criança precisa então assumir um lugar próprio no tempo e no espaço. E que tarefa difícil, que parece nos assombrar também na vida adulta.


Já Sigmund Freud e Jacques Lacan acreditavam numa perda inaugural de um objeto desde que o bebê sai da barriga da mãe. Para lá ele nunca voltará, mas viveria em busca daquele estado primitivo em que tudo era completo. O objeto outro (novamente pais e/ou cuidadores), em vez de possibilitar adaptação, representaria simbolicamente o que falta. Por essa perspectiva, o sujeito vai seguir crescendo e se perguntando o que falta no outro e nele, o que tem no outro que é dele, o que ele tem que o outro não tem. E isso é o que nos moveria a desejar, mas não sem muito mal estar em razão da falta. 


Curioso que todos esses autores têm em comum no pensamento - e por isso estão inseridos no campo da psicanálise - o fato de sermos incompletos, furados, cindidos, clivados. Existem rupturas que nos trazem muito incômodo e sofrimento. Isso pode tomar diferentes formas ao longo da caminhada, mas sempre irá nos acompanhar, especialmente no conflito neurótico entre seguir em frente ou desistir de tudo.


E tem dias que cansa mesmo estar nessa jornada, a qual não escolhemos (caímos de paraquedas nesse mundo). O lado bom é que antes de morrer queremos ser amados - e talvez felizes - neste plano, com toda dificuldade envolvida na tarefa de ser quem a gente é. 


 
 
 

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